Sunday, July 28, 2013

O compêndio da auto-investigação

Montanha de Arunachala
"A investigação sobre a natureza da Consciência imutável e a estabilidade em 'Si Mesmo' é o caminho para compreender de maneira investigativa, a sua própria verdadeira natureza"

Ramana Maharshi







Nas resenhas de livros anteriores tivemos a oportunidade de ver alguns padrões ou estruturas comuns na percepção do sagrado e no itinerário que leva até a integração mística. Ainda que haja problematização sobre o nível em que isso se dá, não podemos deixar de notar que essa estrutura se repete em muitas tradições espirituais. 

Hoje, vamos fazer um resumo do já breve livro chamado Vicharasamgraham, que dá os fundamentos dos ensinamentos de um santo indiano moderno, Ramana Maharshi. É preciso sempre dizer, é um dever moral incontornável na verdade, que eu não tenho qualquer pretensão de ter compreendido ou abarcado integralmente o conteúdo os livros de natureza mais espiritual que eu resenho aqui, isso deveria ficar bem marcado e não deveria haver qualquer dúvida em relação a isso. Faço-o somente pelo proveito pessoal de estudo, pela divulgação das obras, que podem ser de benefício indireto para as pessoas, e pela oportunidade utilização dos instrumentos da religião comparada e da observação de estruturas de percepção do sagrado, tais quais foram oferecidas por Mircea Elíade, por exemplo,  que são legítimos dentro de seu próprio nível, que é um nível eminentemente inferior e de escopo limitado.

Ramana Maharshi aos 16 anos teve uma intuição espiritual que mudou sua vida: através da auto-investigação ("Quem sou eu?") ele foi 'eliminando', por assim dizer, as camadas exteriores do Ser (tudo o que não sou), percebendo que ele não estava no mundo externo, nem na mente, nem em qualquer objeto. Por fim, Ramana compreendeu o "Sujeito Último"  se estabelecendo aí.

É interessante notar, no entanto, que essa experiência, que seria a experiência suprema, não se acomoda na simples constatação, mas vai descendo e se estabilizando simbolicamente no mundo e uma série de indicações simbólicas vão se apresentando. Ramana recebe uma chamada interna para buscar a montanha de Arunachala. Chegando à cidade de Tiruvanamalai, Ramana entrava frequentemente em profunda meditação, e quando estava absorto no êxtase, Ramana recebia pedradas de crianças, e teve que ir mudando de lugar até que subiu a montanha de Arunachala e se estabeleceu numa caverna ali, permanecendo por muitos anos em "mauna" ou silêncio.

Aos que conhecem as indicações, tanto do simbolismo da caverna como da montanha, entendem que o estabelecimento da realização espiritual de Ramana nesse contexto, longe de ser algo de mera repercussão psicológica ou interna, se articulava gradualmente com uma geografia sagrada da montanha de Arunachala. Existem profundas relações entre a figura do guru primordial Dakshinamurti, um dos mil nomes de Shiva, que entre outras coisas, significa "aquele que olha em direção ao Sul (Dakshina)", e a figura do Ramana Maharshi que foi iniciado sem guru humano. Segundo o simbolismo tradicional hindu, os Himalaias, que ficam ao Norte--que em sânscrito é tanto a direção geográfica como o termo que indica o "supremo" (Uttara)-- é o reino divino, ao passo que o Sul é o reino dos homens, ou seja, Dakshinamurti, além de outros aspectos, tem o aspecto providencial de oferecer um método de esclarecimento aos que estão em ignorância. 

Esse é um tema simbólico muito complexo e sutil e nos tiraria do objetivo dessa resenha, mas basta observar o fato de que Ramana está integrado dentro da tradição hindu segundo esquemas simbólicos muito profundos e que indicam que sua existência e sua situação dentro do espaço geográfico sagrado hindu,  assim como os  seus gestos corporais mesmos (mudras), que para um ocidental não ressoam em nenhum nível, coincidem algumas vezes muito exatamente os de Dakshinamurti, tornando Ramana uma representação viva de um dos nomes de Shiva. 

O pequeno compêndio ao qual fazemos alusão consiste de 40 respostas dadas a Gambhiram Seshayya, um dos primeiros devotos do Ramana, que recorria ao sábio da montanha para esclarecer dúvidas doutrinais. Na época em que essas 40 respostas foram escritas, o Ramana, que tinha então 22 anos, estava em silêncio, não por qualquer voto, mas simplesmente porque era sua condição natural naquele tempo; então, ao ser interrogado, ele dava respostas escritas, que durante dois anos foram coletadas e reunidas nesse opúsculo.

Em quarenta respostas, o Maharshi expõe toda a doutrina do advaita (não-dualidade). A experiência comum, de natureza empírica, que todos temos, é expressa em termos como "eu vou, eu vim, eu era, eu fiz". Todos os dados empíricos, no entanto, aparecem e se manifestam dentro de uma consciência, de uma luminosidade estável, que se apresenta como "Si Mesmo" ou identidade última (para usar a tradução de René Guénon). As ações como "eu vou", pertencendo ao campo dos fatos empíricos, se modificam. Portanto, deve-se buscar a identidade que as percebe em sua natureza cambiante. As quarenta questões vão desdobrando a estrutura dessa investigação que passa primeiramente pela compreensão de que o indivíduo não se identifica com os 5 elementos e vai ascendendo e se internalizando.

A natureza da mente deve ser compreendida também. Ora, a mente, originada dos resíduos sutis da alimentação, é também um produto da  natureza, e portanto é  inerte. É a Consciência que penetra e transcende e da vida aos três estados: vigília, sono com sonhos e sono sem sonhos, e, permanece também além de todos esses estados, realizando um 'movimento' do coração, para a garganta e para o os olhos (consciência dual) sem alterar a si mesma.

A impressão de que os sentidos observam um mundo externo (objetivo), e de que a mente observa um mundo interno (subjetivo), são ambas percepções que se "objetificam" diante da luz da Consciência do "Si Mesmo". Tudo o que aparece "fora" na verdade está dentro, dentro do "Si Mesmo". Brahman, sentado em seu trono, nunca abandona o "coração", ainda que ele pareça se mover através do coração, garganta e nos olhos.

Assim, o olho está para o corpo assim como a visão está para o olho,  a mente está para a visão, o indivíduo está para mente e o "Si mesmo" está para o "indivíduo". Ao longo do pequeno compêndio, Ramana oferece instruções específicas para a disciplina e compreensão dessa doutrina, bem como para a a adaptação disso às diversas naturezas. O livro tem diversos exemplos figurativos e indicações simbólicas dessa questão que é a mais simples e a mais difícil de todas.

Os interessados na obra do sábio de Arunachala podem se remeter ao site do Ashram:

http://www.sriramanamaharshi.org/