Sunday, July 28, 2013

O compêndio da auto-investigação

Montanha de Arunachala
"A investigação sobre a natureza da Consciência imutável e a estabilidade em 'Si Mesmo' é o caminho para compreender de maneira investigativa, a sua própria verdadeira natureza"

Ramana Maharshi







Nas resenhas de livros anteriores tivemos a oportunidade de ver alguns padrões ou estruturas comuns na percepção do sagrado e no itinerário que leva até a integração mística. Ainda que haja problematização sobre o nível em que isso se dá, não podemos deixar de notar que essa estrutura se repete em muitas tradições espirituais. 

Hoje, vamos fazer um resumo do já breve livro chamado Vicharasamgraham, que dá os fundamentos dos ensinamentos de um santo indiano moderno, Ramana Maharshi. É preciso sempre dizer, é um dever moral incontornável na verdade, que eu não tenho qualquer pretensão de ter compreendido ou abarcado integralmente o conteúdo os livros de natureza mais espiritual que eu resenho aqui, isso deveria ficar bem marcado e não deveria haver qualquer dúvida em relação a isso. Faço-o somente pelo proveito pessoal de estudo, pela divulgação das obras, que podem ser de benefício indireto para as pessoas, e pela oportunidade utilização dos instrumentos da religião comparada e da observação de estruturas de percepção do sagrado, tais quais foram oferecidas por Mircea Elíade, por exemplo,  que são legítimos dentro de seu próprio nível, que é um nível eminentemente inferior e de escopo limitado.

Ramana Maharshi aos 16 anos teve uma intuição espiritual que mudou sua vida: através da auto-investigação ("Quem sou eu?") ele foi 'eliminando', por assim dizer, as camadas exteriores do Ser (tudo o que não sou), percebendo que ele não estava no mundo externo, nem na mente, nem em qualquer objeto. Por fim, Ramana compreendeu o "Sujeito Último"  se estabelecendo aí.

É interessante notar, no entanto, que essa experiência, que seria a experiência suprema, não se acomoda na simples constatação, mas vai descendo e se estabilizando simbolicamente no mundo e uma série de indicações simbólicas vão se apresentando. Ramana recebe uma chamada interna para buscar a montanha de Arunachala. Chegando à cidade de Tiruvanamalai, Ramana entrava frequentemente em profunda meditação, e quando estava absorto no êxtase, Ramana recebia pedradas de crianças, e teve que ir mudando de lugar até que subiu a montanha de Arunachala e se estabeleceu numa caverna ali, permanecendo por muitos anos em "mauna" ou silêncio.

Aos que conhecem as indicações, tanto do simbolismo da caverna como da montanha, entendem que o estabelecimento da realização espiritual de Ramana nesse contexto, longe de ser algo de mera repercussão psicológica ou interna, se articulava gradualmente com uma geografia sagrada da montanha de Arunachala. Existem profundas relações entre a figura do guru primordial Dakshinamurti, um dos mil nomes de Shiva, que entre outras coisas, significa "aquele que olha em direção ao Sul (Dakshina)", e a figura do Ramana Maharshi que foi iniciado sem guru humano. Segundo o simbolismo tradicional hindu, os Himalaias, que ficam ao Norte--que em sânscrito é tanto a direção geográfica como o termo que indica o "supremo" (Uttara)-- é o reino divino, ao passo que o Sul é o reino dos homens, ou seja, Dakshinamurti, além de outros aspectos, tem o aspecto providencial de oferecer um método de esclarecimento aos que estão em ignorância. 

Esse é um tema simbólico muito complexo e sutil e nos tiraria do objetivo dessa resenha, mas basta observar o fato de que Ramana está integrado dentro da tradição hindu segundo esquemas simbólicos muito profundos e que indicam que sua existência e sua situação dentro do espaço geográfico sagrado hindu,  assim como os  seus gestos corporais mesmos (mudras), que para um ocidental não ressoam em nenhum nível, coincidem algumas vezes muito exatamente os de Dakshinamurti, tornando Ramana uma representação viva de um dos nomes de Shiva. 

O pequeno compêndio ao qual fazemos alusão consiste de 40 respostas dadas a Gambhiram Seshayya, um dos primeiros devotos do Ramana, que recorria ao sábio da montanha para esclarecer dúvidas doutrinais. Na época em que essas 40 respostas foram escritas, o Ramana, que tinha então 22 anos, estava em silêncio, não por qualquer voto, mas simplesmente porque era sua condição natural naquele tempo; então, ao ser interrogado, ele dava respostas escritas, que durante dois anos foram coletadas e reunidas nesse opúsculo.

Em quarenta respostas, o Maharshi expõe toda a doutrina do advaita (não-dualidade). A experiência comum, de natureza empírica, que todos temos, é expressa em termos como "eu vou, eu vim, eu era, eu fiz". Todos os dados empíricos, no entanto, aparecem e se manifestam dentro de uma consciência, de uma luminosidade estável, que se apresenta como "Si Mesmo" ou identidade última (para usar a tradução de René Guénon). As ações como "eu vou", pertencendo ao campo dos fatos empíricos, se modificam. Portanto, deve-se buscar a identidade que as percebe em sua natureza cambiante. As quarenta questões vão desdobrando a estrutura dessa investigação que passa primeiramente pela compreensão de que o indivíduo não se identifica com os 5 elementos e vai ascendendo e se internalizando.

A natureza da mente deve ser compreendida também. Ora, a mente, originada dos resíduos sutis da alimentação, é também um produto da  natureza, e portanto é  inerte. É a Consciência que penetra e transcende e da vida aos três estados: vigília, sono com sonhos e sono sem sonhos, e, permanece também além de todos esses estados, realizando um 'movimento' do coração, para a garganta e para o os olhos (consciência dual) sem alterar a si mesma.

A impressão de que os sentidos observam um mundo externo (objetivo), e de que a mente observa um mundo interno (subjetivo), são ambas percepções que se "objetificam" diante da luz da Consciência do "Si Mesmo". Tudo o que aparece "fora" na verdade está dentro, dentro do "Si Mesmo". Brahman, sentado em seu trono, nunca abandona o "coração", ainda que ele pareça se mover através do coração, garganta e nos olhos.

Assim, o olho está para o corpo assim como a visão está para o olho,  a mente está para a visão, o indivíduo está para mente e o "Si mesmo" está para o "indivíduo". Ao longo do pequeno compêndio, Ramana oferece instruções específicas para a disciplina e compreensão dessa doutrina, bem como para a a adaptação disso às diversas naturezas. O livro tem diversos exemplos figurativos e indicações simbólicas dessa questão que é a mais simples e a mais difícil de todas.

Os interessados na obra do sábio de Arunachala podem se remeter ao site do Ashram:

http://www.sriramanamaharshi.org/

Friday, July 26, 2013

Itinerário da Mente para Deus

Para compreender o contexto desse pequeno livro sobre o qual vamos escrever deve-se remeter um pouco ao franciscanismo, que foi um importante movimento espiritual no Ocidente entre séculos XI e XI. Alguns elementos condicionantes de sua formação foram:

a) A cristalização das estruturas hierárquicas da igreja, dividindo a comunidade entre clero, monges e leigos de forma muito rígida; 
b) O surgimento de movimentos populares que rejeitavam a hierarquia e uso da riqueza por parte de monges e do clero; 
c) Havia uma apelação à volta dos ideias primitivos da igreja, pregando a pobreza, e às vezes a rejeição ao corpo e ao mundo. 

Francisco de Assis surgiu como um catalizador desses sentimentos, acolheu-os e integrou  suas tendências mais válidas. Coisas como "viver segundo o evangelho" e "sustentar-se com o próprio trabalho" foram alguns dos ideais acolhidos, ao passo que outros elementos característicos daqueles movimentos como "pessimismo existencial" e a "insubordinação" foram rejeitados.

São Boaventura,  (1217-1274) herdeiro direto desse ideal "crítico", foi responsável por captá-lo e transportá-lo ao nível da tradição intelectual cristã. Criticando e polemizando contra o aristotelismo e contra a pretensa proclamação "autonomia" seja da natureza ou da razão em relação a Deus, ofereceu uma polaridade vigorosa ao escolasticismo. Inspirando-se na tradição platônico-agostiniana ele traz à tona a noção de que não só a razão em sua ascensão conceitual depende de Deus diretamente, mas que toda a criação é signo de Deus em diversos níveis. O aristotelismo havia reduzido Deus a "motor imóvel" e causa final das coisas, que, durante todo o processo cognitivo dos filósofos  se mantinha suspenso ou afastado. 

É no espírito de retomada mística da ascensão divina e de crítica a pretensão de independência filosófica que Boaventura escreve esse pequeno livro em 7 capítulos. E tanto é assim que o livro foi concebido em um intuição mística semelhante à de Francisco de Assis. Buscando a paz prometida pela revelação cristão, Boaventura sobe ao monte Alverna e, inspirado na visão que Francisco de Assis tiveram do anjo de seis asas, lhe surge a intuição da obra. Boaventura entende que cada um das asas deve ser compreendida como um dos seis estágios de progressiva iluminação da alma em direção a Deus e esses estágios são explicados no livro.

Toda a realidade constitui uma escada para ascender a Deus. Para chegar à realidade espiritual que está em nós, é preciso começar contemplando os vestígios corpóreos e suas razões seminais. Daí, o autor estabelece uma série desses vestígios que seriam baseados em inúmeras tríades presentes na própria estrutura das coisas; os elementos do mundo criado vão sendo enumerados segundo suas analogias à tríade corpo-mente-espírito, tríade representada pelo próprio Cristo em certo sentido. A própria constituição interna e ontológica das coisas se dá através de outra tríade: essência-potência-presença; em todos os cantos vemos essa relação, como no fato de que Cristo se expressou de três formas dando origem a três teologias: simbólica (sensível), literal (inteligível) e mística (supra-mental); a tríade desdobrada pelo Alfa e o Ômega, dá origem à héxade: seis dias da criação  seis degraus do trono de salomão, seis asas do Serafim de Isaías, seis dias até o senhor chamar Moisés do meio da nuvem, seis dias até Cristo chamar os discípulos e se transfigurar, seis planos de ascensão:  sentido, faculdade imaginativa, razão, intelecto, inteligência e a chamada sindérese. Boaventura vai desenhando um complexo arcabouço metafísico e físico constituído pelo número três:
"Todas essas coisas, no entanto, são traços nos quais podemos ver o reflexo de nosso Deus.  Uma vez que a apreensão das espécies é uma igualdade produzida no meio e então imprimida no órgão mesmo, e por meio dessa impressão, se é levado ao princípio e à fonte--quer dizer, ao objeto de conhecimento--manifestamente, segue-se que a luz eterna gera, a partir de si mesma, uma semelhança ou radiância 'coigual' que é consubstancial e coeterna [...] Podemos determinar que todas as criaturas desse mundo sensível levam a mente daquele que contempla e obtêm sabedoria à Deus. Pois são sombras, ecos, pinturas, traços, simulacros e reflexos daquele Primeiro Princípio." (cap. II)
Ao sair da contemplação dos fatos do macrocosmo entra-se no microcosmo. A mente do homem fornece também as mesmas equivalências trinitárias que são símbolos da realidade da trindade última. A mente, composta de memória (que lembra da Eternidade), a inteligência (que concebe a Verdade) e a vontade (que aspira ao Bem) refletem a Trindade Divina. Deus, é pura Memória, Verbo e Vontade. A mente e sua ciência natural (que busca a causa do Ser) se remete ao Pai; a ciência racional (que busca o princípio inteligível) se remete ao Filho; e a ciência moral (que busca a ordem da vida) se remete ao Espírito Santo.

Se esse Princípio está em todo lugar, simbolizado em todas as dimensões, por que é que tão poucas pessoas a percebem? Ora,  distraídas por cuidados diversos, as pessoas não entram em si mesmas através da memória; obscurecidas por fantasmas as pessoas não retornam a si mesmas pelas inteligência; e instigadas pela concupiscência nunca retornam a si mesmas pelo desejo da doçura e da felicidade espiritual. De maneira que, quando caem, pessoas ficam ali prostradas até que alguém as ajude; a alma falhando em suas tentativas de se elevar da intuição de si mesma para a verdade Eterna, requer que a Verdade, tendo assumido a forma de Cristo, faça de si uma escada, consertando a primeira escada que havia sido quebrada em Adão.

Tendo contemplado Deus nas coisas foras de nós através de seus vestígios, e nas coisas dentro de nós através de sua imagem, é preciso ir além disso, é preciso contemplá-lo nas coisas além de nós, é preciso contemplá-lo em sua unidade primária cujo nome é Ser através de sua luz. Os primeiros entraram no átrio do tabernáculo, os segundos no "sanctum", o terceiro entrará no Santo dos Santos. Boaventura, observa que há então dois modos de contemplação das coisas invisíveis e eternas de Deus. A primeira  é pela contemplação de seus atributos essenciais, a outra pelas propriedades das Pessoas. A primeira se refere ao Antigo Testamento (Eu sou o que sou), a segunda ao Novo Testamento, que revela uma pluralidade Pessoas sob o nome de "Bem". 

O Ser é o mais puro e absoluto, é o primeiro e o último, é a origem e a causa final de tudo. Através dessa unidade simples, dessa verdade verdade pura e dessa bondade supinamente sincera, há nele todo o poder, toda causalidade e toda comunicabilidade, e portanto, dele, por ele e nele todas as coisas estão. E ver isso perfeitamente é ser abençoado. 

No entanto, assim com o Ser é a raiz e o nome da visão das características essenciais, o Bem é o principal fundamento de nossa contemplação da Divina Trindade. O Bem é auto-difusivo, mas a suprema difusão pode ocorrer somente se ela for atual, intrínseca, substancial e hipostática, natural e voluntária, livre, necessária e perfeita. E, a não ser que o Bem seja eternamente uma produção que é atual e consubstancial, amada em si mesma  e co-amada como o são o Pai, o Filho e o Espírito Santo, de maneira alguma isso seria o Bem último, pois não haveria a difusão suprema, uma vez que a difusão temporal na criação nada mais é que "puntiforme" em relação a imensidão da bondade eterna. Boaventura assume uma linguagem sublime, porém poderosa para descrever essa realidade, ao mesmo tempo enfatizando a impossibilidade de fazê-lo com perfeição.

O texto termina com a lembrança da aparição do serafim a Francisco de Assis, que, segundo Boaventura, foi o modelo perfeito de contemplação e ação,  e incita ao abandono de todas operações intelectuais uma vez que "toda a altura de nossa afeição deveria ser transferida e transformada em Deus"; cita Dionísio Areopagita sobre as verdades que estão além da compreensão humana e admoesta que, uma vez que natureza não tem poder sobre essa matéria, é preciso menos "língua" e mais júbilo interno, menos palavras e escritos e mais essência criativa (Pai, Filho e Espírito Santo).

Thursday, July 25, 2013

O Rei do Mundo



O livro o "Rei do Mundo" toma como ponto de partida a publicidade que estava sendo dada ao tema a que o título se refere, que está vinculado também à existência de um reino subterrâneo chamado Agartha. Isso ocorreu especialmente depois do lançamento do livro "Homens, Bestas e Deuses" de Ferdinand Ossendowski em 1921, em que este narrava suas aventuras em viagem à Ásia Central; o livro estava sendo acusado de plagiarismo de uma outra obra de 1910 chamada "Missão da Índia" de Saint-Yves d’Alveydre. René Guénon inicia seu livro dizendo que as coincidências entre as duas obras não são suficientes para caracterizar um plágio, mas que, pelo contrário as coincidências simbólicas fazem entrever a existência de um objeto ao qual todas essas histórias se referem. Essas coincidências ficam ainda mais manifestas diante da comparação simbólica de diferentes tradições espirituais sobre o tema.

A imagem do "Legislador Primordial Universal" aparece em representações como a do Manu hindu, Mina ou Mènes entre os egípcios, ou Menw dos gregos, por exemplo. O metafísico francês faz questão de registrar que não se trata somente de uma individualidade, mas de uma "inteligência cósmica que reflete a Luz espiritual pura e formula a Lei (Dharma)" ao mesmo tempo em que corresponde ao arquétipo do homem pensante (mânava). Por outro lado, isso não impede que tal realidade tenha sua representação concreta em um centro espiritual estabelecido em algum lugar da terra e cujo chefe representará, pelo seu conhecimento espiritual, o próprio Manu. Esse indivíduo, o Rei do Mundo, reuniria em si mesmo a realeza e o sacerdócio, o que conviria ao título "pontifex", ou seja, construtor de pontes entre o "Céu" e a "Terra".

Alguns, todavia, associaram rapidamente o título "Rei do Mundo" com o "princeps hujus mundi" do evangelho. Guénon desfaz essa confusão mostrando que há uma diferença entre "esse mundo" e "O Mundo" nos Evangelhos. Há uma relação importante entre a figura do Rei do Mundo e os chamados intermediários celestes que aparecem na cabala hebraica, Shekinah e Metatron, que poderia ajudar a compreender a questão. A Shekinah é sempre a presença real da Divindade, que aparece nas escrituras por ocasião da instituição de um centro espiritual (tabernáculo, etc.) representando o polo terrestre a passo que o Metatron seria o polo celeste, ambos representados respectivamente pelos termos "Pax" e "Gloria" na frase "Gloria in excelsis Deo, et in terra Pax hominibus bonæ voluntatis".

Saint-Yves, em seu livro, diz que o chefe supremo da Agartha seria o Brahmâtma, que daria suporte às almas diante de Deus. Ele seria assessorado pelo Mahâtma (representante da Alma Universal) e pelo o Mahânga (representante da organização cósmica).  Ossendowski, de maneira semelhante, diz que ao Mahâtma é dado conhecer os acontecimentos e o que está por vir, o Mahânga dirige a causa desses acontecimentos e o Brahmâtma fala com Deus face a face. Esse simbolismo, presente nos dois livros, tem correspondências também com a tríade upanixádica chamada tribhuvana: a Terra (Bhû), a Atmosfera (Bhuvas), e o Céu (Swar), de maneira que cada um desses planos seria o plano de operação de um dos elementos correspondentes da tríade "Mahânga-Mahâtma-Brahmâtma"; Guénon faz uma série de analogias com essa tríade apresentada, como, por exemplo, na ordem dos princípios universais o Brahmâtma, de acordo com as doutrinas hindus, seria Îshwara, o Mahâtma serio ovo cósmico ou Hiranyagarbha e o Mahânga seria o Virâj; da mesma forma ocorreria em outro plano com os três reis magos, representantes de Agartha, e simbolizados pela oferta de ouro (Mahânga) o incenso (Mahâtma) e a mirra (Brahmâtma), bem como com os três elementos (matras) da sílaba AUM.


Envolvendo o tema nesse panorama simbólico para dele recolher uma compreensão mais profunda, Guénon nos apresenta também sumariamente os fundamentos a lenda do Graal, que se remete à perda da imortalidade ou à queda do homem. Segundo a lenda, o Santo Graal é a taça que continha o sangue de Jesus Cristo que escorreu sua ferida aberta por uma lança quando de sua crucificação.  Essa taça foi transportada à Grã-Bretanha por José de Arimateia e Nicodemos, e Guénon observa que aí está novamente a representação do poder sacerdotal e real, compatível também com a Távola Redonda e as figuras de Merlin e do Rei Artur e que tem inúmeras relações em diferentes planos com o tema abordado.

Há muitas conexões entre o Graal e outras lendas da bebida da imortalidade, como o soma védico ou o haoma persa,  o vinho sufi, ou o vinho dionisíaco. O uso da bebida no rito confere-lhe um caráter iniciático, como é o caso do sacrifício eucarístico de Melquisedeque. Sobre está último, Guénon dedica todo um capítulo explorando os diversos símbolos que lhe dizem respeito. Melquisedeque, cujo o nome significa "rei da justiça" é também, segundo Paulo, o rei de Salém, que significa paz, e portanto, ele reúne em sua figura a função de Rei e Sacerdote, cujo sacerdócio, identificado por Elión, é um aspecto superior ao Shaddaï, e por isso que, ao ser iniciado nesse novo sacerdócio, Abraão lhe paga dízimo. Elión, segundo Guénon, é exatamente Emmanuel, ambos os nomes correspondendo ao número 197. Ainda se observa que a figura de Melquisedeque correspondente ao Brahmâtma, pode representar em si mesmo a função dos três reis magos, uma vez que uma função superior inclui e transcende as inferiores, ou seja, Melquisedeque pode aparecer sozinho ou pode se desdobrar, segundo dizem alguns, nas funções de Melquisedeque (Rei da Justiça), Cohensedeque (Sacerdote da Justiça) e Adonisedeque (Senhor da Justiça).

O mundo subterrâneo ou inferior também tem um rico simbolismo que se relaciona às histórias de que Agartha seria localizada embaixo da terra; os diversos registros históricos de centro iniciáticos subterrâneos nos indicam a importância desse símbolo. Guénon nos mostra como vão se conectando de forma caleidoscópica  as palavras e os símbolos, convergindo e divergindo em muitos níveis e padrões dentro de uma só temática: o hebraico tem a palavra "luz" que originariamente se referia ao lugar onde Jacó teve um sonho e o qual ele nomeou posteriormente de Betel (Casa de Deus), conta-se que o Anjo da Morte não poderia entrar nesse lugar e não teria aí nenhum poder; perto daquele lugar há uma amendoeira (que também se chama "luz" em hebraico) na base da qual haveria um buraco que levava em direção ao subterrâneo. Ademais, a palavra "luz" tem muitas relações etimológicas e simbólica com a palavra Céu ou Urano (Varuna).  A amendoeira, por sua vez, significa linguisticamente um miolo duro e inviolável onde está o 'embrião imortal'. Esse miolo, em algumas descrições, estaria localizado na parte mais inferior da coluna vertebral humana, o que nos remete também ao simbolismo da kundalini hindu.

Tudo isso indica, de alguma maneira, que o centro iniciático central está oculto durante a Kali-Yuga; o próprio termo Agartha significa "inatingível", "inacessível" ou também "inviolável", uma vez que é o "recinto da paz ou Salém". Segundo M. Ossendowski esse ocultamento ocorreu há mais de 6 mil anos. Guénon explica que a comunicação da Europa com o "Centro do Mundo" foi interrompida definitivamente e que isso se deu em etapas: primeiramente com a destruição da Ordem do Tempo no século XIV a conexão se manteve, ainda que muito "dissimulada" com o chamado Rosacrucianismo; Saint Yves indica que a ruptura definitiva ocorreu na ocasião dos tratados de Vestfália, quando os rosacruzes se retiraram completamente para o Oriente.

Guénon observa que antes da Kali-Yuga, Agartha, que agora é representada pela caverna, quando ainda não era oculta, era conhecida como Paradêsha que significa "supremo país" e é notável a semelhança do nome com o "Pardes" presente na literatura caldaica e na kabala hebraica, ou então no "paradis" (paraíso) do francês. O paraíso se inseria no simbolismo da montanha polar, que equivalia ao Mêru dos hindus, ao Alborj dos persas, ao Montsalvat da lenda do Graal, ao Qâf dos árabes e ao Olimpo grego. A história é sempre a de uma região que, como o paraíso terrestre, se tornou inacessível à humanidade comum e que se situa além de toda possibilidade de cataclismo. Temos também o simbolismo do "ônfalos" que é o umbigo, geralmente representado por uma pedra comumente conhecida como "betyl" que por sua vez se associa à cidade de Betel segundo os simbolismos anteriores e Belém (Beith-Lehen).

Além do  nome "Paradêsha" temos um ainda mais antigo, "Tula", que deu origem ao grego "Thulé" (Ilha dos Quatro Mestres) e aqui temos toda uma sequência de simbolismos da ilha indicando estabilidade e equilíbrio. Vemos o mesmo nome na América, e da "Tula" mexicana, segundo alguns, foi que o nome "Aztlan" (terra no meio das águas) se derivou, o que tem uma conexão visível com a "Atlântida". Em sânscrito temos o "Tulâ" que significa nada mais que "Libra" o signo zodiacal, entre os chineses a "Libra" ou balança celeste é a Grande Ursa, e as relações entre a balança, a justiça e Melquisedeque também são notáveis. A Tula também é a "Ilha Branca" presente em diversas tradições, que nos remete ao simbolismo polar e também à "balança polar". No simbolismo esotérico é preciso cruzar o "mar das paixões" para alcançar o "Santuário da Paz".

A localização concreta dos centros espirituais é uma matéria muito complexa, porém secundária para o tema do livro, segundo Guénon. Há analogias e similitudes entre os diversos centros espirituais como Lhasa, Roma, Jerusalém e a Agartha, no sentido de que fixação geográfica dessas cidades nunca foi feita de maneira arbitrária. Houve no passado o conhecimento de um geografia sagrada ou sacerdotal. Grandes centros espirituais existiram existiram na Creta pré-helênica ou em Tebas, por exemplo, cujo nome é equivalente ao Thebah hebraico, que indica a Arca do Dilúvio, e Guénon diz que pode ter  havido sucessivos deslocamentos do "Centro do Mundo" segundo o desenvolvimento do ciclo e segundo leis específicas; também é possível afirmar que os diversos centros conhecidos sejam centro secundários ou reflexos de um centro principal.  Guénon termina o livro dizendo que se por um lado ele seria condenado por ter revelado mais do que se revelou, ele acredita que não há em seu livro nada que não deveria ser revelado diante das atuais condições. Fica estabelecido, portanto, o fato de que existe uma "Terra Santa" transcendental, como atestam as diversas tradições, e, sobre a sua correspondência geográfica, Guénon se limita a dizer que não as representações geográfica não estão destituídas de correspondências com essa realidade arquetípica.

A minha modesta opinião, que compartilho com algumas outras pessoas que o leram, é que esse livro é o mais "estranho" do Guénon por diversos razões: só para exemplificar, a primeira delas é que há uma ruptura marcante com estilo geométrico de escrita do Guénon, para a adoção de um fluxo realmente caleidoscópico como eu disse anteriormente; às vezes abarcando muito conteúdo e articulação cognitiva potencial para quem conseguir fazer as conexões entre os símbolos, e isso é assim ao ponto de desnortear o leitor completamente algumas vezes. O simbolismo usado se presta a abranger muitas dimensões e criar relações em muitos planos simultaneamente e de forma muito complexa. É um livro pequeno, desafiador e que fala de temas de implicações imprevistas como o próprio Guénon observa ao fim do livro.

Wednesday, July 24, 2013

O Sagrado e o Profano

Dentro das fecundas possibilidades da proposta fenomenológica apresentada pelo filósofo Edmund Husserl, foi que em 1917,  um outro autor, Rudolf Otto lançou o livro "O Sagrado", no qual ele analisava a experiência religiosa e permitia que esta se apresentasse metologicamente destituída de qualquer imposição metafísica, histórica, etc. O livro teve como foco a análise da experiência irracional ou "numinosa" de Deus (mysterium tremendum), contrastando-a com a experiência do "Deus dos Filósofos". Baseando-se nesse empreendimento intelectual muito bem sucedido  e dentro dessa mesma perspectiva  Mircea Elíade buscou formular a obra, escrita em 1956, que resumimos aqui. O autor romeno buscou, no entanto, não só focalizar o aspecto 'irracional' da experiência religiosa como foi o caso da obra de Rudolf Otto, mas tomá-la segundo sua complexidade integral, ou seja, ele realmente toma o sagrado como fenômeno de consciência e intencionalidade. 

O livro se direciona a um público amplo, e não busca aprofundar seus conceitos mais do que a medida de palatabilidade permite, deixando que o leitor busque em sua bibliografia a complementação ou embasamento acadêmico das informações e dos exemplos utilizados. É nesse livro que Mircea Elíade traz alguns conceitos que se tornariam basilares para a ciência da religião como o sagrado e o profano, a hierofania, o espaço sagrado, o tempo sagrado, a sacralidade da natureza e por fim a existência humana concebida dentro da chamada "vida santificada".

Segundo o autor, o homem que tem a experiência do sagrado é o "homus religiosus". Na experiência desse homem o espaço apresenta-se, não como homogeneidade quantitativa, mas há regiões do espaço que têm uma ruptura qualitativa, ou seja, há pontos do espaço que não são equivalentes a outros pontos. Essa perda da homogeneidade espacial corresponde para esse homem à 'fundação do mundo'.

Mircea observa que não se trata de especulação teórica , mas de uma "experiência religiosa primária". Essa ruptura do espaço homogêneo se dá pelo estabelecimento de um "ponto fixo" que vai gerar a "orientação" onde se estabelecerá a chamada hierofania, ou manifestação do sagrado. Essa ruptura tem a intenção de separar o "Cosmos" do "Caos". A consagração do lugar, do templo, portanto, é uma repetição da cosmogonia, onde a ordem prevalece contra a desordem. A primeira conclusão que se impõe é que o mundo se deixa captar enquanto Cosmos "na medida em que ele se revela como mundo sagrado".

Assim como ocorre com o espaço, o tempo sagrado tampouco é homogêneo. Enquanto temos um tempo irreversível no plano histórico, o tempo mítico primordial é, de certa forma circular, reversível e recuperável. Ele se faz presente por conta do rito ou das festas. Isso se distingue abruptamente da visão do homem profano, para quem o tempo não apresenta nem ruptura nem "mistério". O que o "templus" representa no plano especial, o "tempus" representa no plano temporal, de maneira que para o homem religioso, o "ano" com suas datas comemorativas e a estrutura das datas festivas, traz novamente a condição "ab initio": o mundo se renova anualmente e encontra novamente a "santidade original". Ao participar ritualmente do "fim do Mundo" e de sua "recriação" o homem se torna contemporâneo do "illud tempus" (aquele tempo) que é a origem de tudo.

O mito surge como um modelo exemplar que reconta uma história sagrada que ocorreu nesse "ab initio". Uma vez revelado o mito se torna uma verdade apodítica, ele funda a verdade absoluta. O sagrado é o real por excelência e assim, pela simples razão de contar como uma coisa nasceu, irrompe o sagrado no mundo como causa última de toda existência real. O homem se reconhece verdadeiramente homem somente na medida em que  ele imita aos deuses, aos heróis civilizadores e aos ancestrais míticos. Mircea observa, no entanto, que há uma inovação particular no judaísmo, que se estende depois ao cristianismo: para o judaísmo, o tempo começou e terá um fim. Javé não se manifesta no tempo cósmico, mas no tempo histórico, sua manifestação se torna 'teofânica' e consequentemente a história, em sua totalidade, se torna uma teofania.

Seguindo a mesma ruptura do espaço e do tempo,  a natureza nunca é exclusivamente natural, há sempre um valor religioso intrínseco. Elíade observa que uma vez que o mundo se coloca positivamente como Cosmos e não como Caos, há aí uma 'transparência' que reflete o sagrado em diferentes níveis. Dentre as representações mais comuns estão:

a) A representação celeste do sagrado ou a revelação dos deuses uranianos: "diante do Céu, ele [o homem] descobre de uma só vez tanto a incomensurabilidade divina e sua própria situação no Cosmos".  Destaca-se um fenômeno particular de algumas religiões que é derivada de um tipo específico de relação do homem religioso com o Céu, que é o fenômeno do "Deus distante", presente em diversas culturas mais arcaicas, que é a impressão de que o Deus celeste, normalmente associado à criação das coisas, encarregou divindades menores de seu trabalho e se retirou do mundo.

b) A representação aquática do sagrado: as águas em geral representam as potencialidades ou virtualidades do universo, e a imersão na água simboliza em geral a regressão ao pré-formal, a um modo indiferenciado de pré-existência. A emersão, por outro lado, repetiria o gesto cosmogônico da manifestação formal. O cristianismo retirou profundas consequências simbólicas da água, no que diz respeito ao batismo, por exemplo.

c) A representação telúrica do sagrado: a terra em geral está associada à figura da fecundidade e a "poderes mágico-religiosos" ocultos. Em certas tradições a terra tem sozinho o poder e a independência gerativa, ao passo que em outras há uma hierogamia sagrada entre Céu e Terra. A estrutura cósmica do ritual conjugal e do comportamento sexual dos humano também aparece no mito da terra, bem como a orgia ritual, e a fertilidade agrária.

d) A representação da árvore cósmica: a vida vegetal, que num plano profano representa meramente as qualidades mais básicas da existência, ou seja, uma sequência de nascimentos e mortes sem "fatos biográficos", para o homem religioso, por outro lado, compreende o ritmo de regeneração, juventude, saúde e por fim da imortalidade. A árvore também está muito relacionado com o mita da "demanda da imortalidade" em que os frutos da árvore, que simbolizam a própria imortalidade, são obtidos após enfrentar um monstro guardião e matá-lo. O tipo heroico obtém uma condição sobre-humana, quase divina, de juventude eterna, de invencibilidade e de poder.

e) O simbolismo solar e lunar: através das fases da lua, ou seja de seu nascimento, morte e ressurreição, os homens tomam consciência de sua própria posição no Cosmos e também de seu destino, eles têm a intuição do fio da vida. A ritmo lunar permite ao homem sintetizar muitos símbolos heterogêneos numa unidade, principalmente no que diz respeito ao devir, ao ciclo, ao dualismo, a polaridade, a oposição, o conflito e a vida após a morte. O sol, por outro lado, não participa no devir pois ainda que sempre em movimento ele é imutável, sua forma é sempre a mesma. O sol terminará por ser assimilado à Inteligência, a tal ponto que, segundo Elíade, as mitologias solares se transformaram em filosofias racionalistas.

Elíade segue explicando que, para o homem religioso, o Cosmos "vive" e "fala", e é por esse motivo que "a partir de um certo estado de cultura" e dentro desse "diálogo" o homem se concebe como um microcosmo. Ele faz parte da criação divina de maneira que, em determinado ponto ele encontra em si mesmo a "santidade", que ele reconhece também no Cosmos. E enquanto obras divinas, suas estruturas sociais, e até mesmo seu corpo no sentido fisiológico, têm correspondências com o sagrado e podem ser vivenciados a partir dessa perspectiva. É dentro desse plano que surge a concepção da "santificação da vida humana". Temos então o olho humano que representa o Sol, os cabelos representando a vegetação, a coluna vertebral representando o "Eixo do Mundo", etc. O homem religioso vive num "mundo aberto", uma vez que sua existência é permeada de camadas simbólicas e de possibilidades de abertura. Até mesmo suas funções fisiológicas mesmos são suscetíveis de tornarem-se sacramentos, em algumas sociedades temos a ritualização da alimentação e até mesmo da vida sexual.

Vivendo o homem religioso num Cosmos aberto, e sendo ele mesmo  aberto ao mundo na medida em que ele está em comunicação com os deuses, ele participa da santidade do mundo. Podemos encontrar em determinadas culturas perspectivas multidimensionais de equivalência simbólica como "casa-corpo-cosmos" entre outras com camadas sobrepostas e temos os ritos de passagem (nascimento, casamento, morte) que desenvolvem em complexas articulações dessas camadas. A iniciação, dessa maneira, serve de fio condutor para que o indivíduo ascenda desde sua vida natural e corporal até a vida social, e por fim espiritual. O acesso à vida espiritual implica sempre a morte à condição profana, seguida de um novo nascimento.

Fazendo uma reflexão sobre a religiosidade do homem moderno,  Mircea Elíade termina a obra observando que o pensamento sagrado ou mitológico, ainda que irrefletido, permanece na Modernidade em formas mecânicas ou degeneradas seja na figura do herói nos cinemas, nos roteiros da vitória do Bem sobre o Mal, seja na noção das provas e agruras na carreira profissional ou na vida pessoal (que reproduz os obstáculos das vias iniciáticas) ou nas teorias políticas como o Marxismo e sua missão profética e escatológica. O livro é um clássico, e ainda que não se preste a isso diretamente, realiza esplêndida crítica do homem moderno por um caminho deveras interessante. Elíade reconhece as limitações dessa obra pela sua natureza concisa, mas suas investigações abrem muitas possibilidades para o campo da filosofia, da psicologia e de muitas outras disciplinas, possibilidades que até hoje não foram aproveitadas ou integradas, devido ao persistente estado de falta de comunicação e articulação entre as diversas ciências que experimentamos hoje.

Sunday, July 21, 2013

Sabedoria Tradicional e Superstições Modernas

Martin Lings, depois chamado "Abu Bakr Siraj Ad-Din", nasceu em 1909 em Lancashire na Inglaterra, formou-se em Língua e Literatura Inglesa, foi professor na Universidade do Cairo e Diretor de manuscritos orientais na Biblioteca Britânica e no Museu Britânico. Morreu em 2005. Foi um dos representantes da chamada 'escola perenialista' que surgiu na esteira das obras do metafísico francês René Guénon e do suiço Frithjof Schuon. As obras dos autores perenialistas em geral desenvolvem 4 temas:  a crítica ao chamado mundo moderno, a exposição do simbolismo religioso, a exposição da metafísica tradicional em seus esquemas fundamentais, e o ataque às 'pseudo-espiritualidades'.

Essa obra, traduzida ao português por Mateus Soares Azevedo está dentro da temática da 'crítica ao mundo moderno', criticando seu 'mitos' como o evolucionismo progressista,  o igualitarismo e o racionalismo. A crítica de Lings ao mundo moderno parte do pressuposto fundamental do perenialismo, tal qual apresentado na obra "O Reino da Quantidade" de René Guénon, de que a humanidade 'sacrificou' sua sabedoria qualitativa e espiritual em troca de conquistas quantitativas. Essa operação destruiu, segundo os perenialistas, o acesso aos níveis superiores do Ser,  transferindo ao mundo visível o destino do homem, e trazendo grandes avanços no campo tecnológico. A situação da modernidade, diz Lings, leva a algo parecido com o exemplo evangélico da parábola dos talentos:  àqueles que têm pouco, até o pouco que tem lhes será subtraído.

O evolucionismo e o progressismo, doutrinas vigentes na modernidade,  são contrastados com doutrina do 'involucionismo' e o a noção cíclica de tempo, fundamentada na esquemática tradicional dos  povos antigos, que narravam a existência de quatro eras sucessivas: a era de ouro, a de prata, a de bronze e a de ferro. As cosmogonias tradicionais concebiam que haveria um decréscimo das virtudes humanas e espirituais ao longo do tempo, ao invés de um progresso. Ao Igualitarismo moderno, os perenialistas opõem a noção da hierarquia, presente nas grandes religiões e em pensadores ancestrais como Platão, por exemplo. O racionalismo, entendido como a predominância do exercicio faculdade racional (lunar ou reflexiva), é uma tendência também moderna. É preciso resgatar o acesso ao intelecto superior  (solar e imediato):  sentido ou órgão que toca o Infinito e permite a ascensão humana pelo conhecimento de princípios universais. 

Martin faz interessantes considerações sobre a inferioridade espiritual de civilizações de origem agrária ou sedentária em relação às nômades, e sobre a superioridade das tradições orais sobre as escritas. O inglês reconhece, entretanto, uma notável melhora, vinda desde dentro do diálogo científico mesmo, no que diz respeito à compreensão da teoria da evolução.   

No geral autor, apesar da crítica, Lings é  positivo sobre as possibilidades espirituais de nossa época e sobre as oportunidades peculiares que são oferecidas às pessoas que vivem num tempo teoricamente tão flexível. O livro termina observando que estamos numa época de 'encontro de extremos' onde as polaridades inferiores se encontram com as superiores em muitos pontos:
"Nas paredes do edifício do mundo moderno começam a aparecer rachaduras, antes inexistentes, que dão acesso  a um ponto de vista que representa exatamente o oposto de tudo aquilo que o mundo moderno sustenta. Há diversos sinais de que a época atual está caminhando para seu fim -- um fim que constituirá o grande encontro de extremos..."
O  livro é uma boa introdução ao pensamento perenialista. Aqueles que já têm algum conhecimento do perenialismo e já tem críticas mais 'técnicas' a essa abordagem, poderiam encontrar ocasião de aplicá-las nesse livro, principalmente no que diz respeito, por exemplo,  à utilização de conceitos tomados de tradições espirituais de maneira descontextualizada, dando-lhes novas colorações sem a mínima problematização. Há entre perenialistas, um notável descuido com dados concretos,  virtualizando-os absolutamente e atualizando somente a esquemática sintética que lhes é cara. O que, se é de algum modo justificável, não deveria desfrutar de uma imunidade crítica absoluta, como nada de fato desfruta.

A Consolação da Filosofia

"Se de um lado é pela aquisição da felicidade que as pessoas ficam felizes e, de outro, a felicidade é por natureza divina, conclui-se que é pela aquisição do divino que eles podem se tornar felizes"

Boécio, de família cristã, nasceu em Roma no ano 480. Participou ativamente da vida pública e política e usufruiu das glórias civis e humanas de seu tempo. Foi dentro da mesma política que lhe exaltou que surgiu a acusação de que ele tramara em favor do Imperador Teodorico, acusação que o condenou à prisão e à morte injusta.

O seu encontro com a deusa Filosofia se dá, portanto, diante de uma dor ou aflição concreta. No entanto, aquilo que os antigos chamavam de "Fortuna", é o que determina sua condição, e é termo muitas vezes usado, o que coloca o filósofo em meio a problemas filosóficos de natureza mais abstrata como o problema da existência do Mal e o problema do Livre-Arbítrio. É também notável que sua condição tem algumas analogias imediatas com a condição do mais célebre dos filósofos,  Sócrates. 

Boécio se vê diante da deusa da Filosofia, que vem lhe resgatar do desespero e da confusão causadas pela injustiça. Na iminência de sua morte, Boécio é guiado pelas diferentes camadas de sua própria ignorância até a iluminação plena sobre a realidade. O filósofo é resgatado em meio ao diálogo infrutuoso que travava, no desespero, com as 'musas da poesia'.  Para a deusa da filosofia, aquelas eram incapazes de curar um doente. A relação que se estabelece entre entre filosofia e Boécio é uma relação inicialmente terapêutica: muitas vezes no livro usar-se-á o termo doença ou cura. 

Repete-se outrossim em Boécio um diálogo imemorial, guardadas as diferenças de nível, como o que podemos ver na história do Antigo Testamento entre Jó e Deus, ou até mesmo o diálogo hindu entre Arjuna e Krishna. Temos em todos os casos a estrutura arquetípica da divindade que surge diante da confusão e da incapacidade de decisão do indivíduo num momento crítico e radical de sua vida, e vai iluminando, revelando a natureza e a ordem das coisas.  A deusa filosofia, como aparecera já a Parmênides, reaparece, no formato do diálogo instrucional,  comunicando a possibilidade da felicidade humana através da "vida refletida",  roupagem característica do que se chamou entre os gregos de filosofia. Nesse campo de manifestação, nesse modo de operação específico -- o do raciocínio demonstrado--  é que a luz se reflete e que a verdade se reconhece:
"...sabes que todas as afirmações que me fizeste até agora pareceram-me não só divinas mas também irrefutáveis pela lógica de teus argumentos."
A deusa envolve Boécio numa imperceptível crescente espiral de luminosidade que começa mostrando o panorama da condição humana na busca da felicidade, sua busca dos prazeres, da honra e da glória, e junto a essa demonstração, vai ocorrendo uma descascamento, uma discriminação, ao modo dos vedânticos hindus, de tudo o que é falso, de tudo o que não leva à felicidade. Isso é feito pela alternância hábil entre diferentes "remédios": temos por um lado, a dialética que desvela a luz, e do outro lado, a poesia que a estabelece na alma:
"Mas percebo que teu espírito, fatigado pela dificuldade dos raciocínios e esgotado pela gravidade do assunto, anseia impacientemente pelas doçuras da poesia. Bebe então desse doce sumo e encontrarás forças para ir mais longe."
A imagem do mal, e da injustiça, que afunda o homem em vícios, ignorância e paixões, era na alma amarga de Boécio um horizonte de solidez absoluta. Isso vai mudando. De repente, essa imagem de injustiça começa a ser atingida por uma luminosidade superior, até que, por fim, prevaleça, a perspectiva da luz absoluta do Ser. A convergência do Ser e do Bem com a "visão", tornava o mal ontologicamente ineficiente. Ao afastar-se da própria natureza, que é o Bem, o homem afasta-se também do Ser e passa a ser sombra, passa a não existir. Da mesma forma que as presas da Ilha de Circe, por magia da feiticeira são convertidos em porcos e cães assim também ocorre com o homem mau como explica a deusa:
"Os maus deixam de ser, mas o fato de conservarem a aparência física de um ser humano mostra que eles já foram verdadeiros homens. E é assim que, afundado na maldade, eles perdem ao mesmo tempo sua natureza humana."
E ainda:
"Pois para ser é preciso conservar a boa ordenação da alma e preservar a própria natureza; ora aquele que se afasta de sua natureza renuncia também a ser aquilo de que sua natureza depende."
A doença da alma que assola os homens maus e injustos, faz com que eles sejam objeto de piedade por parte do homem justo  (assim como haveria piedade para com indivíduos deformados, por exemplo). Ser mau afasta o homem da sua felicidade. A roda da Fortuna, se permite que ele continue exercitando sua degradação, o faz como castigo, pois, se afundando na não-existência, o homem mau vai perdendo sua dignidade humana natural. Já o homem bom, a partir da compreensão superior de que tudo se encaminha para o Bem consegue conceber essa convergência entre Bem e Ser, ainda que em meio ao caos. Assim, a roda da Fortuna não lhe afeta e nem lhe destrói.
"Somente a Divindade possui este poder de transformar o mal em bem, servir-se dele e daí fazer desabrochar efeitos salutares. Pois há uma ordem geral que abarca todas as coisas; o que escapa de um lado aparece sempre de outro, a fim de que, no reino da Providência, nada seja deixado ao acaso"
 Uma vez apaziguado o sofrimento imediato, mistérios mais profundos vão sendo trazidos à tona, e temos aí uma excelente perspectiva de questões filosóficas como a do livre-arbítrio, as complexas relações entre o Destino e a Providência encontram ali exposições sucintas porém apuradíssimas:
"Quanto mais alguma coisa se distancia da inteligência suprema, mais e mais os liames do Destino a envolvem, enquanto alguma coisa é tanto menos dependente do destino quanto mais se aproxima desse pivô do universo. E, se ela adere firmemente à inteligência suprema, desprovida de todo movimento, torna-se também imóvel e escapa à dominação do Destino. Dessa forma, aquilo que o raciocínio é com relação à inteligência, e o ser criado ao ser absoluto, o tempo à eternidade, a circunferência ao centro, eis aí precisamente o que é a ordem variável do Destino comparada à unidade imutável da Providência."
A obra foi concebida na urgência de salvação de um homem caminhando em direção à morte, de maneira que é natural que nela predomine a voz "terapêutica". Ainda assim ela deixa em alguns momentos essa esfera para caminhar por questões filosóficas mais técnicas, que seriam herdadas depois pela escolástica e que serviriam de ponte entre os romanos e a tradição católica, e que seriam, inclusive, fundamentais para a sobrevivência da filosofia no ocidente. Ademais, Boécio procurou conscientemente ser um instrumento dessa transição em sua vida, buscando traduzir obras do grego e realizar sínteses que seriam aproveitadas pelas gerações posteriores. A "Consolação da Filosofia" é também obra de valor atemporal e sapiencial, e que pode ainda hoje servir de inspiração.

Thursday, July 18, 2013

Versos Áureos Pitagóricos

Cabe aos humanos, cuja raça é divina, discernir o erro e ver a verdade. A natureza o serve. Tu que a penetraste, homem sábio, feliz, respira nesse porto; mas observa as minhas leis, e abstém-te do que deve tua alma temer e distinguir; deixa reinar sobre o corpo a inteligência, a fim de que, elevando-te ao radioso éter,sejas, então, um deus entre os imortais.
Temos em português os "Versos Áureos Pitagóricos" apresentados e comentados por  Mário Ferreira dos Santos em cima dos comentários originais de Hierócles. O filósofo brasileiro, buscou ser "o mais pessoal possível" em seus comentários, tratando de acrescentar ideias originais, a partir do uso da sua 'dialética concreta', se distanciando de posturas historicamente cristalizadas e 'desleixadas' sobre Pitágoras, e focalizando-se na obtenção de uma hermenêutica simbólica diferenciada, porém segura (ou apodítica, como ele gosta de dizer). Mário não busca entrar nas discussões sobre a biografia ou existência da pessoa de Pitágoras tampouco.  É somente através dos comentários de Hiérocles de Alexandria que esses versos foram conhecidos. A autoria não é atribuída diretamente a Pitágoras, tampouco, mas a Lysis de Tarento, supostamente um dos discípulos imediatos do filósofo, e que, segundo Mário, teria 'coordenado poeticamente' sentenças expostas por Pitágoras a seus seguidores.

Há uma discussão sobre se a própria ordem dos versos tem significado esotérico. O que se percebe é que eles são apresentados em três partes que representariam três graus iniciáticos:  A paraskeiê, na qual é estabelecido o culto de Deus e dos espíritos superiores; a da cathartysis, onde são apresentados o culto da humanidade, da família, do semelhante, de nós próprios e de nossos deveres sociais; e a teleiôtes,  que trata da perfeição, ou seja, o caminho da meditação e da:

"...fé que nos impele à vida virtuosa e nos indica como desvendar os problemas do universo, chegar aos últimos graus de iniciação, atingir a sapiência, a intuição sapiencial e compreender, finalmente, mais profundamente toda a nossa razão de ser e de existir e a os fins para onde tendemos".
No prefácio Mário destaca a importância inestimável do pitagorismo na modulação do pensamento grego no que diz respeito à articulação de dois planos de realidade: o das formas eternas e o do mundo do devir. Perspectiva comum a Pitágoras, Socrates, Platão e Aristóteles e que chegou à escolástica, sendo, portanto, uma coluna civilizacional que atravessou eras. Contudo, a análise da obra de Pitágoras dá a entender também outras fontes da empresa filósofica grega: há o pensamento vestigial do misticismo oriental -- egípcio e órfico -- que não podem ser desconsiderado. Mário destaca a profunda e subestimada influência de Pitágoras sobre Sócrates, a quem ele considera 'o primeiro pitagórico'. É notável também a afinidade entre a doutrina dos números e a doutrina das formas platônica.

O Pitagorismo tinha dois planos de apresentação: o exotérico e o esotérico. O primeiro direcionado aos profanos e o segundo aos iniciados. Por isso é ingênuo crer que o esoterismo matemático se tratou de doutrina meramente quantitativa, de matematização ingênua da realidade. A justa medida deve ter em conta que, por um lado, os números, que são essência da realidade para os pitagóricos, o são desde uma perspectiva estruturante e metafísica, por outro lado, não se pode jogar toda a doutrina matemática para o campo puramente esotérico e desconsiderar a contribuição definitiva de Pitágoras para o surgimento de uma das características mais marcantes do pensamento filosófico, a demonstração: o saber pitagórico não era meramente um saber oculto, ao modo oriental, que se completava e se resolvia na intuição mística transcendental, mas era um saber 'metamatemático':

"o verdadeiro amante do saber é aquele que expressa com clareza o que sabe, e procura demonstrar o que sabe, seguindo as normas da matemática, isto é, fundando-se em juízos apodíticos, universalmente válidos"

Surge aí o tema da oposição entre a 'doxa' e a 'episteme', que seria um tema explorado posteriormente também por Parmênides e por todos que se propuseram a fazer o que se chamou já em Pitágoras de filosofia.

Os comentários dos versos, tanto os de Hiérocles como os do Mário, são riquíssimos de conteúdo e ensinamentos morais e espirituais, e são uma excelente reflexão (perene) sobre as relações entre o esoterismo e a virtude moral: tema difícil e controverso, presente também nas temáticas da resenha anterior (Filósofo Autodidata).  Há na obra profundos elementos para a reflexão sobre o que se chama de mistérios, e sobre as pontes que ligam os diversos planos da perfeição possível ao homem.  Esses planos são integrados de forma muito coerente na via pitagórica, que os aceita e os articula todos dentro de um espírito de harmonia hierárquica tipicamente oriental. Há interessantes analogias entre a via pitagórica com a doutrina hindu das perfeições humanas (Puruṣārtha), como há entre as diversas vias de perfeição das civilizações antigas.

O Filósofo Autodidata


Li uma versão em espanhol dessa curta, porém monumental, obra do muçulmano andaluz do século XII, Ibn Tufail . É um pequeno romance em terceira pessoa, e tem como precedente, no que diz respeito à temática, a experimentação filosófica de Avicena, no livro "O regime do solitário". O protagonista é Hayy, um indivíduo que teria sido ‘auto-gerado’ numa ilha: o clima da ilha, propício e temperado, acabara gerando, numa conjunção um tanto fantástica, um coágulo que se transmutou finalmente num ser humano completo. Há no livro inclusive uma curiosa preocupação em conferir uma verossimilhança científica mínima dessa possibilidade. Contudo, a geração espontânea não é a essência da obra, e, segundo soube, há inclusive uma versão em que o aparecimento do personagem se dá de outra maneira. Pareceu-me que o livro foi escrito dentro de certa crise dentro do mundo muçulmano entre filosofia, religião e misticismo.  O texto é tenta conciliar essas diferentes abordagens, ou ao menos situá-las, cada uma, dentro de sua própria esfera.

Pois sim: Hayy nasce só, coagulado pelas condições climáticas; e é criado e alimentado por um gazela. Adiante, defrontando-se com a morte da maternal figura e impulsionado pela perplexidade diante da morte, ele começa a especular sobre a origem da alma. Essa investigação toma progressivamente sete fases de sete anos cada, partindo da investigação propriamente empírica, subindo às classificações gerais das coisas, descombocando logicamente em compreensões fundamentais sobre a natureza da matéria, da alma como origem do movimento, da natureza superior e da excelência dos corpos celestes em seus movimentos cíclicos e, por fim, na intuição de Deus,  o que lhe coloca face a face com a chamada experiência mística ou unitiva. Assim, num quadro de progressiva compreensão do universo, a narrativa perfaz a caminhada filosófica arquetípica, passando pelos seus principais temas, e esbarrando também no caminho em problemáticas mais concretas, pertinentes ao tempo histórico e ao estágico do desenvolvimento das ciências à época em que a obra foi escrita. 

Terminada essa odisseia cognitiva solitária e ascendente, há um segundo movimento, descendente, que se inicia pelo aparecimento na ilha de um outro ser humano, um sufi de nome Absal que ensina a Hayy o idioma e a religião -- note-se que até então o personagem não conhecia nada sobre a sociedade e seus instrumentos. Hayy aceita a religião, reconhecendo sua verdade. Absal o sufi, travando contato com as intuições do filósofo autodidata também reconhece sua legitimidade, de maneira que ilustram, através da sua relação pessoal, uma possível harmonização entre as duas fontes de conhecimento representadas pelos dois personagens. É importante ressaltar, contudo, que o conhecimento do autodidata, na própria obra, é considerado superior, por sua pureza. 

Ao longo da interação, Absal conta ao filósofo autodidata as coisas da civilização, despertando-lhe a curiosidade e o desejo de compartilhar a verdade com outros seres humanos. É então que os dois abadonam a ilha em diração à civilização. Entretanto, o encontro de Hayy com civilização acaba sendo  frustrante, uma vez que ele percebe que as pessoas reagem muitas de vezes de forma hostil à verdade, que para ele era natural. Ele entende que nem todos têm a disposição e a natureza inclinada à investigação de verdades superiores e que ao mesmo tempo, a sociedade necessita dos parâmetros da religião para levar uma vida minimamente digna. Ele aceita essa condição, abdica de apresentar publicamente posições que causem conflitos sociais, e recomenda que todos pratiquem a religião da melhor forma possível. Por fim, ele e o sufi retornam à ilha, para ali permanecerem na contemplação de Deus até o fim de suas vidas.
A obra, pequena, é profunda. Tem um conteúdo sapiencial e indicações místicas. Tem inclusive alguns elementos 'esotéricos' ou indicações simbólicas para 'iniciados'.  Ela dá uma perspectiva muito boa sobre a posição da investigação filosófica de tradição aristótelica no mundo muçulmano, e segundo me consta, é o primeiro romance escrito em língua árabe, de maneira que tem alguma importância também histórica e literária; a reflexão sobre o 'homem solitário' viria reaparecer  posteriormente no imaginário literário na figura do clássico Robinson Crusoé de Daniel Defoe e em outras referências, tornando-se um "lugar literário" incorporada na mentalidade ocidental.