Sunday, July 21, 2013

Sabedoria Tradicional e Superstições Modernas

Martin Lings, depois chamado "Abu Bakr Siraj Ad-Din", nasceu em 1909 em Lancashire na Inglaterra, formou-se em Língua e Literatura Inglesa, foi professor na Universidade do Cairo e Diretor de manuscritos orientais na Biblioteca Britânica e no Museu Britânico. Morreu em 2005. Foi um dos representantes da chamada 'escola perenialista' que surgiu na esteira das obras do metafísico francês René Guénon e do suiço Frithjof Schuon. As obras dos autores perenialistas em geral desenvolvem 4 temas:  a crítica ao chamado mundo moderno, a exposição do simbolismo religioso, a exposição da metafísica tradicional em seus esquemas fundamentais, e o ataque às 'pseudo-espiritualidades'.

Essa obra, traduzida ao português por Mateus Soares Azevedo está dentro da temática da 'crítica ao mundo moderno', criticando seu 'mitos' como o evolucionismo progressista,  o igualitarismo e o racionalismo. A crítica de Lings ao mundo moderno parte do pressuposto fundamental do perenialismo, tal qual apresentado na obra "O Reino da Quantidade" de René Guénon, de que a humanidade 'sacrificou' sua sabedoria qualitativa e espiritual em troca de conquistas quantitativas. Essa operação destruiu, segundo os perenialistas, o acesso aos níveis superiores do Ser,  transferindo ao mundo visível o destino do homem, e trazendo grandes avanços no campo tecnológico. A situação da modernidade, diz Lings, leva a algo parecido com o exemplo evangélico da parábola dos talentos:  àqueles que têm pouco, até o pouco que tem lhes será subtraído.

O evolucionismo e o progressismo, doutrinas vigentes na modernidade,  são contrastados com doutrina do 'involucionismo' e o a noção cíclica de tempo, fundamentada na esquemática tradicional dos  povos antigos, que narravam a existência de quatro eras sucessivas: a era de ouro, a de prata, a de bronze e a de ferro. As cosmogonias tradicionais concebiam que haveria um decréscimo das virtudes humanas e espirituais ao longo do tempo, ao invés de um progresso. Ao Igualitarismo moderno, os perenialistas opõem a noção da hierarquia, presente nas grandes religiões e em pensadores ancestrais como Platão, por exemplo. O racionalismo, entendido como a predominância do exercicio faculdade racional (lunar ou reflexiva), é uma tendência também moderna. É preciso resgatar o acesso ao intelecto superior  (solar e imediato):  sentido ou órgão que toca o Infinito e permite a ascensão humana pelo conhecimento de princípios universais. 

Martin faz interessantes considerações sobre a inferioridade espiritual de civilizações de origem agrária ou sedentária em relação às nômades, e sobre a superioridade das tradições orais sobre as escritas. O inglês reconhece, entretanto, uma notável melhora, vinda desde dentro do diálogo científico mesmo, no que diz respeito à compreensão da teoria da evolução.   

No geral autor, apesar da crítica, Lings é  positivo sobre as possibilidades espirituais de nossa época e sobre as oportunidades peculiares que são oferecidas às pessoas que vivem num tempo teoricamente tão flexível. O livro termina observando que estamos numa época de 'encontro de extremos' onde as polaridades inferiores se encontram com as superiores em muitos pontos:
"Nas paredes do edifício do mundo moderno começam a aparecer rachaduras, antes inexistentes, que dão acesso  a um ponto de vista que representa exatamente o oposto de tudo aquilo que o mundo moderno sustenta. Há diversos sinais de que a época atual está caminhando para seu fim -- um fim que constituirá o grande encontro de extremos..."
O  livro é uma boa introdução ao pensamento perenialista. Aqueles que já têm algum conhecimento do perenialismo e já tem críticas mais 'técnicas' a essa abordagem, poderiam encontrar ocasião de aplicá-las nesse livro, principalmente no que diz respeito, por exemplo,  à utilização de conceitos tomados de tradições espirituais de maneira descontextualizada, dando-lhes novas colorações sem a mínima problematização. Há entre perenialistas, um notável descuido com dados concretos,  virtualizando-os absolutamente e atualizando somente a esquemática sintética que lhes é cara. O que, se é de algum modo justificável, não deveria desfrutar de uma imunidade crítica absoluta, como nada de fato desfruta.