Thursday, May 3, 2018

Ram Swarup e a diferença

Símbolo antigo da interdependência
A obra de Ram Swarup poderia ser acusada de usar de generalizações muito amplas e hostis para caracterizar seus adversários. Haveria nessa crítica algo de verdade. E haveria também uma justificativa para isso dentro da própria tradição dialética hindu: romper com o debate quando o adversário não preenche os requisitos básicos para que um debate honesto ocorra. O fato é que a obra, em sua essência, nos inspira na reflexão sobre o papel da diferença: nos contatos intelectuais com o Ocidente, os representantes das tradições espirituais orientais assumiram uma das seguintes posturas:

1) Indiferença 

Como observei, mencionando os registros de Alberuni e de Filóstrato, muitos hindus ao longo do tempo se recusaram a reconhecer a intelectualidade ocidental, ou a respondê-la. O que levou os ocidentais a projetarem o que quisessem nos mestres hindus e monopolizarem a narrativa sobre o papel dessas tradições na compreensão de temas globais. Isso acontece ainda. Grandes mestres como Ramana Maharshi, que recebeu centenas de ocidentais em seu Ashram, se recusavam a comentar questões pertencentes ao mundo prático ou dialético, se focando apenas no aspecto espiritual ou metafísico. O que fez com que pensassem que os homens espirituais hindus nunca se interessaram por essas questões ou não tem nada a dizer sobre elas. O Oriental transformou-se em objeto de contemplação dentro dos moldes ocidentais. O que é falso, e para verificá-lo basta consultar a extensa tradição de tarka (debate dialético)  entre budistas, jainas, nyayas, samkhyas e vedânticos.

2) Síntese ecumênica

Em alguns casos, muitos mestres hindus, tentando talvez seguir o princípio de não-violência, ou talvez pelo efeito psicológico mesmo da colonização e da inferioridade diante dos resultados práticos da ciência ocidental, têm a tendência a endossar a tese de que todas as religiões são iguais. O que se vê são tentativas afetivas e incomplexas de síntese a todo custo, ou até mesmo uma petição de ser integrado dentro do círculo de compreensão ocidental. Essa atitude tem diferentes níveis de sofisticação, mas o seu problema central é dar margem para todo tipo de manobra adaptativa e oportunismo. As religiões ficam inclusive vulneráveis a forças políticas, ou assimilativas de todo tipo, quando as entendemos como superficialidades digeríveis, e perde-se de vista suas diferenças específicas e 'indomesticáveis'.

3) Síntese esotérica

Essa postura não é tanto oriental. Vem mais dos ocidentais, mas é uma postura importante: alguns autores dizem que as grandes religiões são como que manifestações de ideias platônicas: cada uma 'encarnando' o mesmo grupo de possibilidades transcendentais, apenas mudando de roupagem. Ou seja, o Cristo teria um correspondente no Corão, e Maomé na Virgem, por exemplo; em ambos os casos, essas correspondências seriam participações em ideias metafísicas que transcendem as duas formas. Essas transcendência seria conhecida e reconhecida por uma elite intelectual, e em geral esse conhecimento não é acessível à massas. No fim das contas, todas as religiões, da forma total como se apresentam, em todos os seus pontos, seriam incorporações dessa mesma alma ou ideia, como se participassem em uma espécie eterna. Isso é falso pois ignora os problemas históricos e factuais, a sínteses históricas no encontro entre tradições, e tende a validar todas as religiões como blocos absolutos. Além de trazer também um problema de autoridade, pois as autoridades religiosas mesmas não se entendem assim, de forma que a autoridade é transferida para alguma esfera misteriosa, de alguns mestres que estão ocultos ou coisas desse tipo.

4) Diferença

Essa é a originalidade que aparece em Ram Swarup, e que justifica tomar sua obra como importante. O autor diz que é preciso posicionar-se e deixar claro as diferenças de perspectiva e não só buscar a unidade ou evitar a questão. E, de fato, hoje em dia essa me parece uma postura mais honesta, inclusive para um possível diálogo.

Todo estudioso das religiões reconhecerá as inúmeras similaridades entre as tradições, e as atribuirá a diferentes origens. Houve extensos estudos sobre as religiões desde o século XIX, e em certo sentido, todos eles visavam absorver as tradições espirituais num projeto universalizante e ocidental de conhecimento. A origem (e os objetivos) desses projetos universalizantes pode e deve ser questionada.

As tradições dhármicas, como explica Rajiv Malhotra, outro autor contemporâneo que vou resenhar em seguida, se distinguem das tradições abraâmicas (e estamos aqui falando de linhas gerais de orientação e não de exceções) pelo menos nas seguintes oposições amplas:

a) Conhecimento incorporado x Centralidade histórica:

No dharma o conhecimento, ainda que seja transmitido historicamente, e siga como que uma linha paralela, perene (sanatana), mudando de forma externa ao longo das eras, tem de estar presente na corporalidade de um indivíduo que tenha a realização da realidade transcendental, aceitando também a possibilidade de que as pessoas possam verificar esse conhecimento através das técnicas ancestrais e da orientação de pessoas que estejam estabelecidas nesse conhecimento. Essas pessoas passam pela avaliação tripla -- shastra, apta, âtmâ. Ou seja, a experiência  não pode ser uma aberração em relação ao registro das diversas escrituras, tem de ser validada por outros que a tiveram, e é preciso que o indivíduo que transmite a tradição tenha o conhecimento em si mesmo, incorporado e operante em sua vida. Essa noção é diferente nas religiões abraâmicas, pois elas dependem de um fato histórico, ou seja, de uma 'smrti' (memória do passado) da qual não é possível se dissociar, de maneira que se essa memória fosse esquecida pelos praticantes, a religião entraria em colapso.

b) Unidade Integral x Unidade Sintética:

As tradições dhármicas pressupoem que haja uma unidade ou interdependência entre a totalidade dos fatos do Universo. Ou seja, o Universo é uma unidade que sob certo aspecto tem um ritmo, um dharma, e uma rede de interdependência, e uma linguagem que aponta para o Absoluto. A unidade do conhecimento é paralela à manifestação universal e não algo a ser obtido por uma intervenção pontual. As religiões abraâmicas, por outro lado, acreditam que o universo não tem em si mesmo uma unidade integral. Nesse caso, unidade ou possibilidade de transcendência é obtida em algum ponto do tempo, onde um novo fato vem instaurar uma unidade sintética. Ou seja, essa unidade é obtida desde fora da totalidade do existente, e por meio de uma intervenção histórica.

c) Ansiedade diante do caos x Convivência com a complexidade:

Assim, as tradições ocidentais, para instaurar a ordem, buscam rejeitar ou abafar o caos ou o diferente. Esse padrão psicológico é repetido inclusive em seus processos e atualizações internas: sempre que há a proclamação de uma nova tradição ou religião, ela surge já com ímpeto exclusivista, aos moldes e segundo o paradigma das anteriores, buscando eliminar todo que não está dentro de seu círculo de compreensão e se declarar como única e definitiva e muitas vezes como universal. A relação entre as tradições cristãs e muçulmanas, por exemplo, é de constante conflito e tentativa de rejeitarem-se mutuamente ou declararem que o restante das religiões estão canceladas. No caso das tradições dhármicas, o traço mais proeminente é a busca de convivência com a complexidade, a ausência da ansiedade para assimilar ou destruir o diferente, e a integração do conhecimento em círculos cada vez maiores e com articulações complexas, como em um ecossistema.


Na próxima postagem vou resenhar o livro 'Being Different' de Rajiv Malhotra que também valoriza as distinções e busca uma diálogo tradicional baseado no respeito mútuo e não apenas na tolerância ou ecumenismo.

Tuesday, May 1, 2018

Ram Swarup e a visão hindu do Ocidente (parte 4)

Patañjali-Rshi
Para Swarup, conhecer o Deus da Bíblia ou do Corão é conhecer um Deus sem interioridade, e sem universalidade. Ele compara a devoção dos judeus ao que se chama de bhakti tamásico ou rajásico no Bhagavad Gîtâ, e oferece alguns exemplos ilustrativos com a história de Abraão, Rute e outros para endossar sua tese de que a tendência à exclusividade e iconoclasmo foi evoluindo dentro da religião judaica, uma vez que no início a interação com os deuses 'das nações' era mais tolerante. Assim, o culto de um Deus exclusivista se inicia apenas com Moisés.

A expectativa do messias como salvador político do povo judeu se inseria nesse contexto, uma revelação única e exclusiva, e um intermediário fundamental que levaria a cabo as aspirações de um povo escolhido. A história registra que vários proclamaram ser o messias, citando o exemplo de Theudas que supostamente realizou o milagre de abrir o rio Jordão para que seus discípulos passassem. Ao mesmo tempo em que o messias era esperado, uma parcela do sacerdócio judeu temia os romanos e sentia-se confortável com a ordem estabelecida. E de fato, algumas décadas após a morte de Jesus, os receios viriam a se concretizar, o Templo foi queimado e a cidade de Jerusalém destruída pelo general romano Tito. 

O ideia do messias judeu continuaria muito tempo após a destruição do templo, como exemplifica a figura de Simão Bar Kokhba que chegou a juntar meio milhão de soldados de sua causa, e teve vitórias importantes, controlando Jerusalém por três anos.  Por fim a cidade passou para as mãos dos cristão e finalmente dos muçulmanos. Contudo, o fato é que:  ainda que Jerusalém houvesse sido perdida, a esperança de um messias atravessou séculos, renascendo por exemplo em outras figuras como Sabbatai Zevi no século XV. 

Jesus foi tomado pelos judeus como um dos candidatos a messias judaico, como era relativamente comum na época. Swarup especula que Jesus talvez tenha até se esforçado ou tido intenção de cumprir tal função, ao declarar, por exemplo, que tinha vindo cumprir a lei e não a abolir, ou pregando que seus discípulos não deveriam ir à casa dos gentis e nem entrar na cidade dos samaritanos. O autor diz que foi somente quando Jesus foi rejeitado pelos judeus que ele também os rejeitou. 

Dessa ruptura, quebrou-se também a Aliança divina com os judeus, segundo a perspectiva cristã. A nova aliança era com os que criam em Jesus e não mais com o povo escolhido: "quando a Cristandade rompeu com seu antigo ancoradouro e buscou um novo público, ela se viu encarando muitos competidores, engajando-se numa disputa de superioridade. A Cristandade deu início a um série de empréstimos não reconhecidos e roubos." 

A função de salvador tampouco era desconhecida entre os povos antigos, e autor nos lembra a história de Mitra, que tem relações com o Mitra hindu e Maitreya budista. 
"Devido a esses fatos, muitos estudiosos consideram a vida de Jesus mais próxima da lenda do que da história, e se houve algum Jesus histórico é algo que é muito discutido no mundo acadêmico. Mas a questão está perdendo a importância e muitos teólogos cristãos agora começam a falar em um Jesus da fé ao invés de um Jesus  histórico. Talvez eles tenham percebido que a insistência em um Jesus histórico é uma forma de idolatria. Contudo, mudar o formato não muda a natureza da questão e nem a elimina as objeções racionais. Se uma fé gratuita, baseada em uma figura de uma salvador imaginado ou histórico é racionalmente e espiritualmente sustentável, é uma questão que permanece."
Swarup segue dando exemplos dos empréstimos e 'roubos' que constituiram a doutrina, o rito e o mito cristão.
"Justino, o mártir, disse que o diabo tinha antecipado e introduzido na religião de Mitra usos similares aos dos cristãos. Mais tarde Tertuliano veio com o mesmo tipo de explicação em conexão com a Santa Ceia e disse que os deuses pagãos, que, para impedir a verdade, imitam a circunstância exata dos sacramentos divinos nos mistérios dos ídolos" 
e ainda
"[O cristianismo] tomou elementos emprestados do Judaísmo, como sua escritura, seus profetas, sua crença em um povo especial e uma aliança especial, e acima de tudo o seu Deus ciumento, o seu ódio por outros Deuses, e consequentemente seu ódio proverbial à humanidade. O misoteísmo é o pai da misantropia. Também tomou emprestado a ideia de expiação através de um sacrifício de sangue da mesma fonte. Essas ideias eram ideias centrais e tiveram grande influencia em seu ethos subsequente. Mas há também fontes não-judaicos de importância para outras ideias centrais como a do Salvador, do Nascimento por meio de uma virgem, a Ressurreição, a Ceia. Sua contribuição original foi a de um Deus que estabelece uma aliança especial e proclama soberania universal. O fato de que seu salvador proclamava que iria salvar a todos, ou seja uma missão mundial. Sua outras contribuição foram a Cruz, o Inferno, o Demônio, a possessão e o exorcismo". 
O autor observa que quando Maomé surgiu, já estava estabelecida a ideia de exclusividade universal.  Não bastava falar com Deus ou ser um profeta, mas a tendência era a de buscar um profeta exclusivo ou um salvador que anulasse as outras tradições espirituais.
"Mas apesar das circunstância inibidoras e repressivas em que os pretensos salvadores e profetas se inserem, eles nunca deixaram de existir. O fenômeno não é algo que aconteceu somente nos dias antigos ou durante a Idade Média. As proclamações continuaram acontecendo até mesmo nos tempos atuais, e, o que é mais importante, muitos continuaram acreditando. É claro que não eram estórias de tanto sucesso como as de Moisés, Jesus ou Maomé, mas não ficavam sem seu público. " 
Por que essa tendência, tão estranha aos outros povos? Por que certas coisas tinham de ser reveladas a certos profetas e escondidas de outros? Será que esse profetas tinham qualidades morais ou espirituais que os distinguiam da massa? Muitos profetas não ofereciam justificações para sua profecia. Se a revelação é remover um véu, em seu sentido etimológico, o que é que é revelado exatamente? E quais as justificativas de Deus chamar certas pessoas em segredo e lhes contar de certos planos que o resto da humanidade desconhece?
"Pode-se objetar que isso tudo é arbitrário. Mas como explica  H.L. Goudge 'diz respeito a Deus, o revelar-se quando e como Ele quiser. Se ele se revela a uma nação mais completamente do que a outra isso é parte da administração divina'"

E ainda
"Como de costume, a teologia Cristã usa linguagem piedosa para chegar a conclusões arrogantes: 'Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.', diz a Bíblia com aparente piedade, e com grande satisfação. A pretensão é, no fim das contas, prepotente, mas vista por outro ângulo, ela tem algo de verdade. A Cristandade só se importa com um Deus conhecido por crianças e pecadores; quase não há a ideia de um Deus revelado à sabedoria, à compreensão e à pureza."
Deus dos pecadores 

A apresentação correta de Deus, segundo os Upanishades, não é a de um Deus dos pecadores, mas o destruidor do pecado. Ele é antes de tudo protetor do Bem e não dos pecadores. Deus é certamente misericordioso, mas não guardião de criminosos. O autor observa que os cristãos não raro carregam o esnobismo e o orgulho por se chamarem pecadores, de forma muito parecida aos comunistas por serem proletários. Chamar um cristão de pecador chega a ser um cumprimento ou uma obrigação e em sua religião a prioridade é sempre dada aos pecadores ou pessoas perdidas, como demonstra a parábola do filho pródigo.

Práxis espiritual

O autor diz que as religiões semíticas carecem do conceito hindu de sâdhana também. E quando chegam a conceitos próximos, misturam-no com aspectos irracionais, emotivos. Ele dá o exemplo de algumas dessas quase-sâdhanas, como por exemplo o chamado 'dom das línguas', que autor diz que poderia ser comparado em alguns casos com problemas psiquiátricos. Outra sâdhana cristã, essa mais consistente, é o 'arrependimento'. Na compreensão cristã os conceitos de inferno, punição, arrependimento e pecado se articulam em um sistema de sâdhana, uma tecnologia para obtenção de fins espirituais. Contudo, a peculiaridade desse método, segundo Swarup, levou a muitos danos psicológicos ao longo das gerações, e descambou não raro em mentalidade neurótica e relações sadomasoquistas com a divindade. O 'iconoclasmo' para com os deuses dos outros povos, característica do Cristianismo é Islam, é entendido pelo autor como uma espécie de sâdhana também.

Teologia da missão e da jihad

Cada religião é moldada segunda as perguntas que faz e as respostas que seus líderes oferecem. Segundo Swarup, no Hinduísmo as perguntas fundamentais são perguntas do tipo 'O que é o real? Qual é o bem supremo? O que é o homem? Quais são suas raízes?', o autor observa que essas perguntas não eram fundamentais nas religiões proféticas. Elas não surgiam para responder as aspirações mais profundas do homem. As figuras características dessas religiões são dadas em função da teologia, da personalidade de certa divindade: o pregador e o jihadista. Essa figura não tem nada a aprender, só a impor. Ele se sente perdido se não realizar sua missão de converter. O tempo não mudou essa característica central nem no Cristianismo, nem no Islam. Os católicos se definem ainda como um povo "missionário por natureza".

Citações seletivas e apelo a analogias e alegorias

Swarup observa que os cristãos ao se direcionarem aos hindus, gostam de enfatizar trechos bíblicos que são excepcionais em sua práxis, como o famoso 'O reino dos céus está dentro de vós'. Os hindus, por gerações, acreditaram de boa vontade que, no fim das contas o Cristianismo tinha a mesma mensagem dos Upanishades, graças a essas citações seletivas.  Esses trechos contudo, devem ser entendidos dentro da tradição maior, e segundo sua importância dentro do panorama geral e da economia missionária cristã concreta. O mesmo se dá com frases como 'Eu e o Pai somos um', que os hindus entendem como uma mensagem de jñâna, mas que na verdade é uma declaração teológica que não se aplica propriamente às pessoas.

A espiritualidade hindu

O Veda entende o homem como tendo diversas camadas, indo das mais grosseiras às mais sutis, numa hierarquia de importância. Nas partes mais íntimas e profundas há um encontro com as leis universais, o ritmo, a yoga. A consciência mais externa do  homem é confusa e não pode oferecer respostas espirituais. Contudo, o Deus semítico não vem com o objetivo de revelar esses estados (que são descobertos só depois pela exegese filosófica e simbólica e através de procedimentos estranhos às próprias escrituras). As escrituras proféticas surgem para responder a questão 'O que é Deus?', contudo elas não entendem que o próprio conceito varia de acordo com o nível de consciência.

O Deus articulado com a consciência de vigília não é o mesmo Deus que se articula com o samâdhi ou com estados sutilíssimos de compreensão meditativa. O Deus profético nos oferece um código de conduta. O Dharma difere bastante de um código de conduta. Os seres humanos diferem em seus talentos e oportunidades, e o homem cresce no dharma à medida que cresce seu conhecimento. Bhisma no Mahabharata saúda "Aquele cujo próprio Si Mesmo é o Dharma, mas cujos seguidores tem muitos caminhos".

Samadhis não-yóguicos

Swarup observa, trazendo exemplos da tradição yóguica budista ou hindu, que há samadhis que são produtos de mentes impuras. E é aí, na categoria dos samadhis, ou estados de concentração com retenção do ego, que ele inclui a origem das religiões proféticas. O campo de 'pouso' ou estabilização do samadhi é um 'bhumi', um território ou plano onde a intuição espiritual se assenta. O Yoga-Bhûmi de Patañjali realiza um Deus livre de todas as qualidades limitativas e antropomórficas como desejo, aversão, ego, uma divindade intocada por quaisquer oscilações.

O Deus das religiões proféticas se assenta no Kâma-Bhûmi, um mundo de desejo, aversão e ignorância. Ele tem preferências, aversões, povos escolhidos, igrejas, Ummah e também inimigos. Ele é um Deus ciumento que procura a destruição ou invalidação de todas as outras formas de adoração. Os devotos desse Deus têm de apelar para constante uso de sentidos secundários, analogias e alegorização para explicar essas características.

Esse Deus, na verdade, é mera formação psíquica. Produto também do chitta-bhûmi, memórias de nomes e formas que persistem na mente dos devotos. Esse Deus retorna em diversos lugares, em diversas culturas, mas ele não é o Absoluto. E os planos psíquicos do kâma raramente vêm dissociados dos planos de krodha ou raiva. A purificação da mente para visualizar as verdades divinas é um processo rigoroso e inevitável para a contemplação correta das energias superiores e é por isso que os praticantes da yoga tem de se submeter aos chamados yamas e niyamas, e estabelecerem-se na não-violência. Até mesmo os samadhis yóguicos estão sujeitos à queda e oscilação se a mente não for sutil o suficiente.

A espiritualidade yóguica, segundo Swarup, começa com o quarto nível de purificação, que implica na equanimidade mental para com todos os seres. Raramente vemos nas escrituras das religiões semíticas ensinamentos que emanam dessa região. A maioria dos ensinamentos vem de regiões inferiores da consciência, do segundo ou terceiro plano, enfatizando a importância da fé, piedade, confiança e fervor.

A reação hindu às religiões proféticas

Os hindus, no contato com essas religiões, inicialmente tentaram se reformar e adotar o costume do colonizador. Temos o caso de organizações que perseguem ideais proféticos e monoteísticos como o Arya Samaj, ou o caso de alguns monges da Missão Ramakrishna que preferem inserir seu guru dentro do escopo profético, comparando com um Maomé, Moisés ou Jesus do que entendê-lo propriamente dentro da tradição dos rishis védicos.

Uma segunda reação foi a síntese. Por meio de citações altamente seletivas, muitos hindus começaram a falar que a mesma verdade era pregada por todas as religiões e livros religiosos.  Outros recorriam à dupla interpretação, recorrendo à analogias para justificar as religiões semíticas e igualá-las ao que é dito claramente e sem analogias nos Upanishades.

O autor diz, por fim, que esses modelos estão esgotados. As religiões ocidentais também se esgotaram e não conseguem mais oferecer qualquer perspectiva para as pessoas, e a sociedade ocidental está em crise intelectual e espiritual:
"A maioria dos países perdeu suas tradições espirituais, mas o Hinduísmo ainda as retem e segue sendo um repositório do conhecimento espiritual que o resto da humanidade perdeu. Através de um despertar do Hinduísmo, todo o passado religioso da humanidade recebe uma voz. Através dele, ainda se podem ouvir muitas vozes ancestrais que foram silenciadas. Através dele é possível entender novamente Platão, Hermes Trimegisto, Apolônio, Plotino. É só através do Vedânta que Eckhart tem sentido, permanecendo incompreensível se depender da tradição Cristã." 

Basicamente esses são os pontos levantados por Ram Swarup. Como não gosto de fazer textos muito grandes, vou deixar os meus comentários e avaliação sobre o livro para outra postagem.