Thursday, March 20, 2014

O argumento "ontológico" desde um ponto de vista vedântico

Algumas reflexões sobre o possível uso da estrutura do "argumento ontológico" desde um ponto de vista vedântico não-dual:

1) A dificuldade que as pessoas em geral têm na compreensão do chamado "argumento ontológico" em qualquer uma das suas modalidades se dá, segundo eu entendo, pela perda da noção do infinito metafísico. 

2) Ora, o infinito metafísico, como explica René Guénon, não pode implicar nenhuma contradição ou limitação. Qualquer limitação (seja em quantidade ou qualidade), por outro lado, implica dialeticamente sua superação, e por conseguinte, o infinito.

3) A contemplação do infinito por parte da mente é necessariamente uma limitação do infinito, ainda que, como explicam os vedânticos, seja, na verdade, um sobreposição insondável de falsidade. O infinito é simultaneamente dentro e fora da mente, de outra forma não seria Infinito.

4) A contemplação de objetos, no que diz respeito ao mundo dos sentidos e à experiência de vigília , é feita através da alternância possível entre a captação interna (ato interno de conhecimento) e a realidade dada externamente (mundo dos fatos), de maneira que é possível, em dois momentos diferentes, captar um conceito internamente e logo em seguida verificar se esse objeto tem correspondência com a realidade.

5) Isso não se dá no caso do Infinito uma vez que não é possível sair do Infinito para verificá-lo; o que ocorre é que o conceito mental do infinito é simultaneamente verdadeiro e falso. Ele é verdadeiro intencionalmente porque capta corretamente seu objeto ainda que de forma negativa; e ele é falso materialmente, pois ele cria, através da sua veiculação por meio de instrumento psicológico subjetivo, uma limitação no infinito como se fosse possível contemplá-lo externamente. A natureza dessa "falsidade" é o que se chama de "avidya" entre os vedantinos, e a contemplação verdadeira do infinito seria, de maneira inexpressável (anirvacaniya), o término do infinito enquanto objeto mental e enquanto objeto separado de um sujeito individual.

6) O intelecto, ao contemplar o conceito de infinito corretamente, só pode "transformar-se" no próprio infinito. Daí que esse argumento é simultaneamente útil e inútil, pois ele requer que se vá além da mente para que seja compreendido corretamente, e quando se vai além da mente não há necessidade de compreendê-lo.

7) O uso que faço aqui do infinito metafísico, de certa forma, tem uma natureza "supra-ontológica", de maneira que não precisa nem mesmo do uso do "Ser", fugindo das objeções que lhe são direcionadas nesse plano. O limite, uma vez dado em qualquer plano concebível (qualitativo ou quantitativo), já seria suficiente para validar o raciocínio acima.