Tuesday, October 15, 2019

Reflexões sobre o Samudra Manthana (Parte 3 - No meio do oceano)

"Então, ó brâmane, das profundezas veio um grande urro, como o trovão das nuvens da dissolução universal. Muitos animais aquáticos foram esmagados pela imensa montanha, muitos habitantes das regiões inferiores e dos reinos de Varuna foram mortos. As árvores cheias de pássaros, muitas delas foram arrancadas pela raiz, caindo no mar durante do giro da montanha A fricção dessas árvores batendo umas nas outras também produzia um chama brilhante que aparecia de tempos em tempos. A montanha então parecia uma massa de nuvens negras carregada de trovões. O fogo se espalhou na montanha consumindo leões, elefantes, e outras criaturas que viviam ali, e Indra, fazendo a chuva descer ia extinguindo os focos do fogo." (Adi Parva: 18, 26)
Pensando sobre as imagens do oceano, me vem à mente de imediato a imagem do sol vermelho nascente que se tornou notória na cultura popular pela bandeira japonesa. Na tradição deles o sol vermelho nascendo no horizonte se associa à deusa Amaterasu, que está associada também às  suas dinastias reais. O meio do oceano, idealmente infinito na medida em que dispõe o chamado "horizonte" (também ideal), pode ser ocupado por distintas "estações", dinâmicas e estáticas. Entre shaktas o sol vermelho surgindo no oceano é Arunâ. Aqueles que adoram a Deusa no formato do sol vermelho se tornam grandes poetas e são capazes de encantar as criaturas, dizem as escrituras. 

Em aspecto estático, narra-se em vários momentos que no meio do oceano há uma ilha ou uma montanha. A ilha do meio do oceano de néctar tem um palácio de joias preciosas onde reside a divindade suprema. A montanha Mandara, como sabemos, também está no meio do oceano. É preciso dizer que ela não corresponde ao chamado monte Meru, há distinções. 

Conta-se que Mandara foi gerada providencialmente por Ananta, a serpente, à pedido de Vishnu. É uma montanha onde reside a corte de Kubera e está próxima a outra montanha famosa, o Kailasa. Oitenta e oito mil gandharvas e trezentos e cinquenta e dois mil Yakshakinnaras residem no topo dessa montanha, junto com Kubera e um Yaksha chamado Manivara. 

Essas informações estão, entre vários outros lugares, no Mahabharata, onde também conta-se, por exemplo que, em jornada em direção ao monte Kailasa, acompanhado por Krishna, Arjuna parou um tempo em Mandara e ali se deteve por algum tempo ouvindo as canções celestiais. Então tudo indica que a montanha é uma estação intermediária avançada para os que estão seguindo o "caminho do norte",  muito bem ilustrado no Gîtâ:
"Fogo, luminosidade, dia e a fase brilhante da lua. Os seis meses do curso do sol em direção ao norte--partindo assim, os homens que conhecem o Brahman, vão em direção ao Brahman." (8,24)
E, por fim, as relações com o Mahadeva ou Shiva, que até agora não apareceu na narrativa, também são claras, como nesse trechinho de uma jornada feita pelo rishi Ashtavakra:
"O ilustre rishi Ashtavakra partiu em direção à morada de Kubera rumo ao norte. Ele cruzou a montanha Mandara e as montanhas douradas. Além dessa região de altas montanhas está situada a excelente região onde reside o Mahadeva, vestido como modesto asceta." (Anushâsana Parva: 19, 54)