Sunday, September 8, 2013

A Transmissão da Chama

Se um indivíduo seguir a “via do conhecimento”, ainda que de forma puramente inconsciente, crítica, opositiva, se ele seguir com sinceridade, em algum momento ele vai chegar ao conceito de não-dualidade, e vai chegar ao limite da mente. Alguns vão chegar à compreensão de que essa não-dualidade não é puramente transcendente, como quis Kant, por exemplo, mas que tem a ver com a relação do próprio indivíduo para o qual o conceito ocorreu e a Possibilidade Universal. 

Nesse momento em que o pensamento capta tanto seu próprio movimento como a impossibilidade de sua independência ontológica, a unidade de teia da realidade é intuída de forma que não há aí um sujeito ou objeto. Não há nada de especial nisso e não é algo a ser mistificado. Mas é um ponto importante na busca filosófica ou espiritual, ter essa intuição imediata em algum momento. É um encontro com a realidade e não com meras ideias, por assim dizer. Muito dificilmente alguém permanecerá nessa intuição, pois se permanecesse o indivíduo seria uma espécie de divindade, no entanto, é preciso que ela ocorra em alguma momento para que o indivíduo tenha algum ponto de referência. 

Essa intuição sobrevoou meus horizontes mentais por muitos anos, se concretizando nas duas polaridades que o budismo denuncia, ou seja, às vezes em panteísmo, às vezes em niilismo, ambos indecisos e flutuantes, até eu encontrar uma obra que me deu indicações muito importantes para superar minha visão. Essa obra foi uma pequeno livro cujo título encabeça essa postagem  com uma entrevista com o pensador francês  Jean Klein. 

Jean Klein explorou as possibilidades intelectuais de seu tempo, leu Nietszche, Dostoievski, Max Stirner e se interessava pela ideia de não-violência de Gandhi. Era um homem de profunda inclinação para a beleza e para as artes. 

Nesse livro Klein conta como ele chegou a receber a “Transmissão da Chama” que o levou à Índia e o fez realizar a não-dualidade com a possibilidade infinita de todas as coisas. Jean Klein, que era um anarquista, e que entendia as coisas a partir de um ponto de referência social ou político, foi escalando de leitura em leitura até encontrar René Guénon. Ele diz que pela primeira vez, ao entrar em contato com Guénon, ele compreendeu que havia uma estrutura metafísica da totalidade, e que as estruturas sociais eram acidentais dentro da totalidade. Essa concepção, e também a de Tradição foram fundamentais para que Klein viajasse à Índia em uma busca espiritual ainda que não claramente definida para si mesmo.

O filósofo francês não buscava um guru ou uma doutrina, segundo ele relata. Chegando à Índia ele entrou em contato principalmente com pessoas no campo das artes e com personalidades e intelectuais. No entanto, teve a oportunidade de entrar em contato com um mestre da escola advaita-vedanta (não-dualismo) e fazer-lhe perguntas. Por fim, acabou ficando 4 meses sob a instrução desse mestre. Esse encontro teve um impacto enorme e Jean Klein teve a experiência da não-dualidade. Ele chegou a encontrar outras personalidades espirituais hindus e ficou sobre a instrução regular de um guru por 4 anos. Jean Klein diz que sua experiência de não-dualidade se estabilizou posteriormente, e ele retornou à Europa. 

Na minha opinião, não há como julgar a estatura espiritual de alguém, mas há algumas limitações e principalmente problemas na relação do Jean Klein com a tradição hindu, na sua posição de instrutor espiritual não tradicional, se inserindo dentro que se conhece hoje como neo-advaita, e nos métodos utilizados para ensinar isso a Ocidentais. No entanto, o livro foi muito importante para mim, primeiramente, porque eu cheguei ao René Guénon e ao Ananda Coomaraswamy,  autores que são responsáveis por quase toda minha estrutura de compreensão da modernidade através desse livro, e em segundo lugar porque foi a primeira obra na qual eu vi que havia possibilidades reais de superar as concepções modernas da realidade, e que era possível que uma pessoa chegasse a uma intuição que transcendesse as contingências.

A experiência não-dual a qual ele se refere, e da forma com ele se refere, segundo eu vejo, parece super simplificada e até mesmo profana. Tirando essas limitações, Jean Klein é uma pessoa com uma clareza e um vislumbre interessante para indicar a não-dualidade, e seus outros livros também valem a pena, com as ressalvas importantes de que a não-dualidade, ainda que seja uma formulação conceitual simples, não deve ser por isso trivializada ou vulgarizada como ocorre com autores modernos. O neo-advaita, se abriu algumas portas, fechou outras tantas e às vezes reforçou condicionamentos errados no Ocidente e inclusive impossibilitando o conhecimento espiritual em muitos casos.